segunda-feira, 9 de julho de 2012

Bond #09

Chegando quase ao fim da minha maratona, Bond ensina como identificar um lote de ouro nazista, uma mulher mal-amada, o rifle favorito da KGB e um bom clube de sadomasoquismo em Nova Iorque, com o seu segundo livro de contos de Fleming, décimo-quarto e último da série.

Octopussy and the Living Daylights
Publicado postumamente em 1966, originalmente reunia apenas os dois contos do título, com The Property of a Lady sendo incluído logo mais na edição em paperback, e 007 in New York, a inclusão mais recente, inserido pela Penguin em 2002. Talvez por ser omais curto e despretensioso de todos (apenas The Living Daylights pode ser considerado um conto de James Bond dentro do padrão clássico de suas aventuras, mesmo das mais curtas publicadas em For Your Eyes Only) acabou se tornando um dos mais divertidos – não é recomendado para leitores de primeira-viagem, mas constitui-se numa deliciosa faixa-bônus para os já iniciados no universo de Fleming.


• Octopussy
 
O plot: Dexter Smythe é um herói de guerra aposentado e viúvo, que vive na Jamaica praticando mergulho e aguarda a chegada do homem enviado pelo governo que irá prendê-lo pelo pouco que lhe resta ainda de vida. O homem em questão é James Bond, que aqui, mais uma vez, serve de moldura para a história de outro personagem. Acontece que, ao final da guerra, Smythe teria enriquecido graças ao roubo de ouro nazista, envolvendo um assassinato – o que revela um detalhe da juventude de Bond e uma de suas figuras paternas.
 
O conto: Fleming está no seu terreno seguro – montanhismo, mergulho em corais, ouro nazista, um conjunto básico de temas de aventura pulp – no que em geral é uma história morna, ainda que dotada de bons momentos de “euforia descritiva” (como na história sobre o ouro nazista contada pelos vendedores chineses), e o próprio octopussy do título, o polvo de estimação de Smythe, que acaba ganhando uma relevância macabra ao final.
 
Vilões e bond-girl: não há.
 
Aliás, o filme: utiliza-se somente do título do conto, embora a história de Smythe sirva de background para a história da família de Octopussy.
 
Efeito Fleming:
“São barras alemãs, Major. Provavelmente do Reichbank dos tempos da guerra. Isso nós deduzimos do fato de que elas contém dez por cento de chumbo. Sob o regime de Hitler, era um hábito tolo do Reichbank adulterar seu ouro dessa maneira. Esse fato se tornou rapidamente conhecido entre negociantes e o preço das barras alemãs na Suíça, por exemplo, por exemplo, onde muitas delas encontraram seu caminho, foram ajustadas para baixo, de acordo. Então o único resultado  da tolice alemã foi que o banco nacional alemão perdeu perdeu a reputação de negociação honesta que ganhara ao longo de séculos”. - Octopussy

• The Property of a Lady
 
O plot: um ovo Fabergé irá a leilão na Sotheby’s em Londres, e a proprietária, uma agente de comunicações do MI5 encarregada da criptografia, é suspeita de fazer jogo duplo com os russos – um agente russo irá subir o preço durante o leilão para fazer com que ela receba seu pagamento sem levantar suspeitas. A missão de Bond é identificar o licitante para que o governo o expulse do país.
 
O conto: escrito sob encomenda para o catálogo anual da Sotheby’s em 1963, conta-se que Fleming ficou tão insatisfeito com o resultado que recusou o pagamento. Uma bobagem: ainda que despido de ação (não se pode dizer que alguém corra algum risco de morte ao longo da história) a tensão durante o leilão, assim como os detalhes sobre a procedência do ovo Fabergé, são momentos típicamente fleminguianos, e suficientemente divertidos para fazer valer a inclusão do texto na coletânea.
 
Vilões/bond-girl: não há, stricto sensu, vilões ou bond-girls, e Maria Freudestein, a agente dupla, é apenas um nome para dar andamento à história.
 
Aliás, o filme: a cena do leilão e o ovo fabergé foram incorporados ao roteiro de 007 contra Octopussy, embora o título ainda não tenha sido usado.
 
Momento Mad Men:
“Maria Freudenstein apenas ergueu os olhos por cima de sua máquina para lhe dar um sorriso polido, e a pele de Bond arrepiou-se com essa proximidade da traição e com o segredo negro e mortal oculto debaixo daquela blusa branca. Ela era uma garota pouco atraente com uma pele pálida, um tanto sardenta, e cabelo negro de aparência vagamente mal-lavado. Tal garota seria mal-amada, faria poucos amigos, guardaria rancores  contra a sociedade. Talvez seu único prazer na vida fosse o triunfo secreto que guardava em seu peito achatado – o conhecimento de que ela era mais esperta que todos à sua volta, de que ela, todo dia, revidava contra o mundo  - o mundo que a detestava, ou apenas a ignorava, por sua mediocridade – com todas as forças. Um dia eles se arrependerão! Era um comportamento neurótico padrão – a vingança do patinho feio contra a sociedade” – The Property of a Lady

• The Living Daylights
 
O plot: o conto abre com Bond aperfeiçoando sua mira num campo de treino de tiro, para logo em seguida ser despachado para Berlim Oriental. A qualquer momento num período de três dias, um alto figurão soviético, codinome agente 272, irá desertar e os russos ativaram seu melhor atirador, conhecido como Trigger (“Gatilho”) para eliminá-lo. A missão de Bond é, de tocaia e munido de um rifle de precisão, assassinar o atirador rival antes – o tipo de missão que, como todo conhecer sabe, Bond detesta. Numa ótima sacada hitchcockiana, há uma orquestra ensaiando no prédio ao lado, e uma bela garota carregando um cello que, como de costume, distrai a atenção de Bond para o problema principal.
 
O conto: o mais longo e o melhor texto da coletânea, é uma história tensa e inteligente, com mais desenvolvimento do personagem de Bond do que alguns de seus romances mais longos, bem como a forma como planeja desobedecer suas ordens (e faz pouco da possibilidade de qualquer punição por isso) dá o tom do Bond interpretado tanto por Timothy Dalton quanto por Daniel Craig – o Bond que se recusa a ser uma ferramenta cega.
 
O vilão / bond-girl: explicar quem é Trigger, o atirador rival, seria revelar um spoiler que é o centro do conto, e o que o torna tão tipicamente Bond.
 
Aliás, o filme: conhecido no Brasil como 007 Marcado para a Morte, o filme homônimo adapta o conto quase por inteiro e com relativa fidelidade, expandindo os personagens – o agente 272, Trigger e o nervoso agente Sanders – para uma trama maior (e a mais fiel, depois de Casino Royale, ao espírito literário de Bond). Além de dar título à uma das melhores músicas temas, cantada pelo A-HA
 
Bond e seu métier:
“Kalashnikov”, disse ele, seco, “submetralhadora, operada à gás. Trinta cartuchos de 7.62 milímetros. Favorita na KGB. Eles farão um trabalho de saturação, no final das contas. Perfeito para alcance. Teremos que pegá-lo bem rápido ou 272 terminará não apenas morto, mas virado em geléia de morango. Você fica de olho sobre qualquer movimento ali nos entulhos. Eu tenho que me manter casado à essa janela e à arma. Ele precisa se mostrar para atirar. Mais ou menos o aparato que esperávamos, mas não pensei que usariam uma arma tão barulhenta como essa. Deveria saber que iriam. Um homem correndo é um alvo difícil de se pegar nessa luz, para um trabalho de um tiro só”. – The Living Daylights.
  
• 007 in New York
 
O plot: Bond passeia por Nova Iorque, pensando nos atrativos da cidade, a melhor forma de se preparar ovos mexidos (Bond prefere ovos marrons, da granja) e uma amiga local, Solange, enquanto faz hora para avisar uma ex-funcionária do MI5 de que seu namorado é, na verdade, um agente da KGB, e poupá-la de envolver-se num imbróglio político.
 
O conto: em seu livro Cidades Fascinantes, Fleming retratou Nova Iorque de forma tão negativa, que os editores lhe pediram que colocasse alguma compensação para amenizar a possível reação do público americano. A resposta foi a inclusão desse continho curto, onde a trama existe para emoldurar um quadro turístico terminado numa anedota (um raro caso de encerramento humoroso numa história de Bond) – além da inclusão da receita favorita de ovos mexidos de James Bond. Se o autor detesta a cidade, seu personagem ao menos a aprecia.
 
Vilão: não há.
 
Bond-girl: embora só citada de nome, subentende-se que Solange Dimitrios, vendedora em uma loja da Abercrombie, seja uma das muitas amantes regulares de Bond (que, aparentemente, mantém o costume dos marinheiros de ter uma mulher em cada porto).
 
Aliás, o filme: embora o título nunca tenha sido utilizado para nenhum filme, Solange Dimitrios foi incluída como uma das bond-girls no Casino Royale de 2006, embora num contexto diferente, enquanto que o subplot de avisar uma agente do MI5 de que seu namorado é um agente duplo se faz presente, sob outro contexto, no final de Quantum of Solace.
Fetiche:
“E aquele bar, ainda por ser descoberto, do qual Felix Leiter disse ser o ponto de encontro para sadistas e masoquistas de ambos os sexos. O uniforme eram jaquetas de couro negro e luvas de couro. Se você fosse um sádista, vestia a luva debaixo da alça do ombro esquerdo. Para os masoquistas, era o direito. Assim como os bares de travestis em Paris e Berlim, seria divertido ir e dar uma olhada. Ao final, é claro, eles provavelmente acabariam indo apenas ao The Embers escutar o jazz favorito de Solange.” – 007 in New York
(Vamos discutir mais sobre desejos reprimidos na próxima sessão, Sr. Bond)
 
Bibliofilia: publicado uma única vez em 1966 como Encontro em Berlim. Os contos The Property of a Lady e 007 in New York, até onde sei, são os únicos textos de Ian Fleming que permanecem inéditos em português. Em inglês, The Living Daylights foi publicado em separado na coleção Pocket Penguin Classics e todos os contos, incluídos os de For your eyes only, foram reunidos na edição Quantum of Solace, de 2008.

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