terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Na Praia

Dois livros de contos encadernados num só, Primeiro amor, último sacramento e Entre lençóis, ambos de Ian McEwan (Rocco, 1998, 308 pgs.), foram minha leitura na praia durante o feriadão de Carnaval. O primeiro, sobre, conforme prometem as orelhas, personagens que acabam por agir de um modo que eles próprios não imaginariam possível, após submetidos a uma enorme pressão - o que é um modo de colocar um ponto em comum entre histórias de um homem que decide viver dentro de um armário, um garoto de 14 anos que decide perder a virgindade com a irmã de 10, um menino forçado pela tia a usar fantasias bizarras e vestir-se de mulher, um homem que descobre um cálculo geométrico que pode fazer desaparecer o qeu desejar, e por aí vai. O segundo livro, mais irregular, um apanhado de contos previamente publicados em revistas literárias. A se destacar em tudo, a elegância com que a prosa de McEwan narra casos de amores bizarros (um milionário apaixonado por um manequim de vitrine), adultos que abusam psicologicamente de crianças, incesto, bestialismo e toda sorte de deslocados social e psicologicamente. Bom modo de mostrar a habilidade de McEwan, de narrar o grotesco com uma elegância que me parece ser preciso nascer inglês pra poder ter, é pegar a primeira frase de alguns de seus contos:



Em Melton Mowbray, no ano de 1875, durante um leilão de “curiosidades e artigos valiosos”, meu bisavô , na companhia do amigo M, fez um lance pelo pênis do capitão Nicholls, que morrera na cadeia de Horsemonger, em 1873.

Geometria Sólida

Havia poeira no tablado, as telas de fundo estavam pintadas pela metade e eles se encontravam todos nus no palco, com as luzes brilhantes para aquecê-los e destacar a poeira no ar.
Cocker no teatro

Vi meu primeiro cadáver na quinta-feira.
Borboletas

Desde o início do verão até quando parecia não ter mais sentido, carregávamos o colchão fino até a pesada mesa de carvalho e fazíamos amor em frente da grande janela aberta.
Primeiro amor, último sacramento

Mina, essa Mina. Hoje mole e meio arfante e também com óculos de fundo de garrafa, recorda sua última apresentação no palco.
Disfarces

Posso ver agora nosso banheiro apertado, demasiadamente iluminado, e Connie com uma toalha jogada em volta dos ombros, sentada na borda da banheira, chorando, enquanto eu enchia a pia com água quente e assobiava – tal era meu entusiasmo – “Teddy Bear”, de Elvis Presley, conforme lembro, sempre fui capaz de me lembrar, a lanugem da colcha de algodão cru a girar na superfície da água, porém só recentemente percebi que não se tratava do término de determinado episódio, até onde se possa dizer que os episódios da vida real têm um fim, já que era Raymond, por assim dizer, que ocupava o início e o meio, e, se nos assuntos humanos não existem coisas semelhantes a episódios, então devo realmente insistir que essa historia é sobre Raymond, e não sobre virgindade, coito, incesto e auto-erotismo.
Prata da casa

2 comentários:

Paula Carolina disse...

Não sei se você viu, mas saiu um perfil completíssimo do Mc Ewan no site da New Yorker.

http://www.newyorker.com/reporting/2009/02/23/090223fa_fact_zalewski?currentPage=all

Como você sempre fala deste autor, achei que interessaria.

Abraços.

Samir Machado disse...

Otimo artigo esse, Carol.

“Narrative tension is primarily about withholding information,”. Ideia tão simples e tão certeira.

Valeu pela dica.

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