
Adaptar uma obra que trata, justamente, da falta de visão, para um meio essencialmente visual como o cinema já é um desafio e tanto, mas Fernando Meirelles soube encontrar soluções inteligentes para transmitir na tela a sensação de isolamento e descida ao inferno vivida pelos personagens de Ensaio Sobre a Cegueira, adaptação do livro homônimo do português José Saramago. Quando uma epidemia de cegueira branca assola uma cidade anônima, um grupo de pessoas é isolado num manicômio abandonado, tendo como líder a única pessoa capaz de ver (uma interpretação visceral de Julianne Moore). O filme se divide em dois momentos: o primeiro, com o isolamento dos personagens anônimos num microcosmo de sociedade onde a autoridade formal é banida, e — como sempre — o abuso de poder se impõe ao caos na forma do personagem de Gael Garcia Bernal. E é nos pequenos detalhes que Meirelles mostra sua inventividade: uma cena banal mostra um menino cego caminhando por uma sala, até esbarrar numa mesa—mas a mesa só se materializa à sua frente depois de ter esbarrado nela, recriando visualmente a sensação de cegueira. A fotografia do também brasileiro César Charlone reforça o branco e o cinza do cenário e a sensação de isolamento conseqüente. Na segunda parte, em que os personagens exploram as sobras do mundo exterior (parcialmente filmado em São Paulo), é onde o filme dialoga com um conjunto recente de obras nascidas na esteira do 11 de setembro, um cinema pós-sociedade, de filmes como Guerra dos Mundos ou O Nevoeiro.

Filmes baseados em livros de Stephen King são tão freqüentes e oscilantes de qualidade, que quando surge uma boa adaptação, deveria soar um alerta a fãs do autor e de bom cinema. É o caso do excelente O Nevoeiro, dirigido por Frank Darabont (que adaptou do autor Um Sonho de Liberdade e À Espera de um Milagre). Na típica cidade de interior, um nevoeiro surgido após uma noite de tempestade isola os clientes de um supermercado dentro da loja. Do lado de fora, há criaturas que matam quem sai e, da mesma forma como em Ensaio sobre a Cegueira, não demora a surgir uma ameaça interna, a Sra. Carmody (Marcia Gay Harden): conforme o fanatismo religioso dela conquista adeptos, cresce a dúvida de quanto tempo o vidro da fachada do supermercado irá agüentar. Herdeiro de clássicos do suspense como Os Pássaros ou O Enigma de Outro Mundo, é um filme que não tem medo de trazer um dos finais mais corajosos e impactantes do cinema recente.
5 comentários:
Eu também estou nessa Noize. Procura a resenha do Mogwai novo ali.
Sofri o mesmo problema que tu: impossível desenvolver qualquer pensamento em tão pouco espaço! hahaha
É exercer o poder da concisão. Faz uma resenha aí do Ulysses em 300 caracteres.
Aliás, não sabia que tua resenha do Mogawai era nessa edição. Achei que tinha sido na edição passada, quando teve o texto do Zé do Caixão.
Bacana!
muito bacana os textos, mas só um detalhe: césar charlone não é brasileiro, é uruguaio.
abraço
Putz, verdade. Isso é o que dá eu não consultar o imdb.
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