quinta-feira, 14 de junho de 2012

Bond #04

Conhecido no Brasil como A Chantagem Atômica, o nono livro da série (e o quarto que li) marca uma mudança de adversários: com a melhora nas relações entre o ocidente e os soviéticos no final da década de cinquenta, saem de cena a SMERSH e os agentes infiltrados, entra a S.P.E.C.T.R.E. (SPecial Executive for Counter-intelligence, Terrorism, Revenge and Extortion) e o mais característico dos inimigos de bond, Blofeld.

Thunderball
Thunderball é o primeiro da chamada “Trilogia Blofeld”, completado por On Her Majesty Secret Service e You Only Live Twice. Foi primeiro escrito à seis mãos como roteiro para um filme que não chegou a ser produzido à época, e que Fleming novelizou em seguida, gerando uma disputa jurídica que complicou os direitos sobre o uso de Blofeld, a SPECTRE e o plot principal ao longo dos anos.

O plot: o roubo de armas nucleares da OTAN por uma organização terrorista internacional é descrito com certo realismo (à época). Despachado para as Bahamas por um palpite de M, Bond une-se à Felix Leiter para investigar o caçador de tesouros Emilio Largo o segredo escondido em seu iate Disco Volante, envolvendo-se com a namorada deste, Domino. Antes da trama começar de fato, há uma introdução divertida com Bond sendo forçado à freqüentar um SPA após uma péssima avaliação médica, onde cruza com um agente menor da SPECTRE.


O livro: Fleming, um entusiasta de mergulho em profundidade e amigo de Jacques Custeau, aplica sua habilidade no “uso imaginativo de informação” para criar diversas seqüencias de mergulho, a incluir-se o clímax, uma batalha entre homens-rã em meio a um recife de coral, coisa que ele faz com sua habilidade típica.
De certa forma, todo filme e livro a lidar posteriormente com o plot de roubo/chantagem com armas nucleares (e são muitos, e não acabam nunca...) devem à Thunderball a construção de uma trama realista (a época) de terrorismo mundial. No caso específico desse livro, porém, trama é só o que tem a oferecer, e mais serve de pano de fundo para Bond ser Bond e flanar pelo Caribe do que acrescentar grandes avanços no desenvolvimento do personagem.
A introdução, entretanto, com Bond sendo obrigado por M a freqüentar um SPA, comendo iogurte e verduras e fazendo exercícios em máquinas que mais parecem equipamentos de tortura, abre uma janela curiosa sobre os a visão cinquentista de hábitos saudáveis. Ainda assim, de todos da série que li até agora, esse foi o que mais me parece um livro menor – divertido, dinâmico, mas não essencial, sem grande desenvolvimento do personagem de Bond, e com um confronto final que termina abrupto. Recomendaria apenas aos já introduzidos no universo do personagem.

Vilão: Emilio Largo, o principal antagonista, passa quase em branco, mais uma função que um personagem, se considerar que o antagonista de fato é Blofeld. É ele quem tem um passado explicado em detalhes, e o gosto com que Fleming descreve a organização da rede da SPECTRE mostra o quanto essas pequenas histórias dentro da narrativa parecem empolgá-lo mais que a própria trama em si.
A bondgirl: Domino Vitali entra em cena dirigindo feito uma louca em busca de cigarros sem nicotina. Embora a essa altura o acúmulo de bondgirls comece a tornar o que distingue cada uma um tanto nebuloso, algumas coisas se destacam em Domino, em relação à outras. O sangue quente e a postura independente, que rendem esse curioso parágrafo de defesa por Bond:
“’Vagabunda’, ‘vadia’, ‘prostituta’ não eram palavras que Bond usasse para mulheres a não ser que fossem profissionais de rua ou atendessem num bordel, e quando o Comissário de Polícia e o Chefe de Imigração a descreveram como uma ‘vadia italiana’ Bond manteve seu julgamente para si. Agora sabia que estava certo. Essa era uma independente, uma garota de autoridade e caráter. Ela podia gostar da vida alegre e rica, mas até onde Bond sabia, esse era o tipo certo de garota. Ela podia dormir com homens, e obviamente dormia, mas era sempre nos seus termos e não nos deles”. - Capítulo 11

Momento Mad Men:
“Quatro mulheres num carro ele considerava como o maior perigo potencial, e duas mulheres era quase letal. Mulheres reunidas não conseguem ficar em silêncio num carro, e quando falam elas precisam olhar no rosto uma da outra. Uma troca de palavras não é o bastante. Elas precisam ver a expressão da outra pessoa, talvez para lerem por trás das palavras da outra ou analisar a reação às delas próprias. Assim duas mulheres nos assentos dianteiros de um carro distraem a atenção uma da outra da estrada constantemente, e quatro mulheres são mais que duplamente perigosas, pois a motorista não apenas precisa ouvir, e ver, o que suas companhias estão dizendo, mas também, pois assim são as mulheres, o que as duas de trás estão comentando.”
(er... claro que, como generalização, é absurdo, mas... melhor não comentar mais...)

Fetiche:
Leiter pediu dois dry Martinis. “Apenas observe”, disse, mal-humorado.
Os dois Martinis chegaram. Leiter deu uma olhada neles e mandou o atendente chamar o barman. Quando o barman chegou, irritado, Leiter disse-lhe: “meu amigo, eu pedi um Martini e não uma azeitona em conserva”. Tirou a azeitona do copo com o palito de coquetel. O copo, que estava três quartos cheio, agora estava meio cheio. Leiter disse, suavemente: “Isto era feito para mim enquanto sua única bebida era leite. Eu aprendi a economia básica do seu trabalho na época em que você se graduava em coca-cola. Uma garrafa de gim Gordon contém dezesseis doses verdadeiras – isto é, doses duplas, as únicas que eu bebo. Corte o gim com três medidas de água e isso faz vinte e duas. Pegue um martelinho de base grande e um pote dessas azeitonas gordas e você tem trinta e seis doses. Garrafas de gim aqui custam apenas dois dólares no varejo, digamos que seja um dólar e sessenta no atacado. Vocês cobram oitenta centavos por um Martini, um dólar e sessenta por dois. O mesmo preço que uma garrafa inteira de gim. E com essa sua garrafa de vinte e oito doses, você ainda fica com outras vinte e seis sobrando. É um lucro esperto por garrafa de gim em torno de vinte e um dólares. Te dou um dólar pelas azeitonas e a gota de vermute e vocês ainda tem vinte dólares no bolso. Agora, meu amigo, isso é lucro demais, e se eu me der ao trabalho de levar esse Martini à gerência e então ao Comitê de Turismo, você vai ter problemas. Seja um bom amigo e nos faça dois dry Martinis grandes sem azeitonas e com algumas fatia de limão separadas. Está bem? Certo, então somos amigos outra vez.
(note-se que é a segunda vez que Bond e Leiter travam um diálogo sobre Martinis, a primeira em Casino Royale. Entretanto, note-se como Fleming diferencia os dois: se em Casino, Bond fazia uma observação sobre a qualidade da vodka (de grãos, ao invés de batatas, traria um sabor melhor), aqui Leiter comenta sobre a quantidade. E assim Fleming faz um comentário sutil sobre a diferença entre um inglês e um americano).
Aliás, o filme: no caso, são dois, 007 contra a Chantagem Atômica, e Nunca Mais Outra Vez, ambos com Sean Connery, em função da briga pelos direitos autorais da história. E nenhum dos dois entram na minha lista de favoritos, embora tenham seus méritos.

Bibliofilia: o livro foi publicado pela última vez em português em 1965 com o título Chantagem Atômica, e não é difícil de se encontrar no Estante Virtual.

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