quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Morte por condescendência

Nesse parágrafo de Um Homem Só que segue abaixo, Christopher Isherwood faz com que o personagem George, gay e viúvo recente, num de seus muitos acessos de mau-humor, assuma a mentalidade de sua vizinha sra. Strunk, no que bem resume à perfeição a suposta tolerância de classe-média-que-se-crê-esclarecida, mas que no fundo é prisioneira da própria visão estreita. O texto, obviamente, é irônico (é sempre bom sinalizar) e dado o momento, quando menos se esperava a agenda religiosa, sabe-se lá como, dominou a pauta política, me pareceu oportuno ao menos para tentar entender o que se passa na cabeça dessa gente:

Mas a sra. Strunk pede licença para discordar gentilmente do marido, porque ela foi acostumada à nova tolerância, a técnica do aniquilamento através da brandura. E cita outra vez seu livro de psicologia – a palmatória não é mais necessária. Rezando por essa cartilha, em doce melopéia, ela trata de exorcizar o indizível em George. Não há razão para repulsa, ela entoa, nenhuma causa para condenação. Nada, no caso, que seja intencionalmente depravado. Tudo vem da hereditariedade, de situações vividas na infância (que horror essas mães possessivas, essas escolas inglesas com separação dos sexos!), do desenvolvimento interrompido na puberdade, e/ou das glândulas. Temos aqui um desajustado, definitivamente sem acesso às melhores coisas da vida, alguém a ser lamentado, e não acusado. Alguns casos, quando a vítima ainda é bem jovem, podem se resolvidas com terapia. Quanto ao resto... ah, é uma tristeza! – especialmente quando acontece, como costuma acontecer, vamos admitir, com pessoas realmente meritórias, pessoas que teriam tanto a oferecer. (Mesmo quando, apesar disso, são gênios, suas obras-primas apresentam, invarialmente, distorções.) Então, vamos ser compreensivos, não é, e lembrar que, afinal, existiram pos gregos (embora fosse um pouco diferente, pois eles eram pagãos, não neuróticos). Vamos até chegar a admitir que esse tipo de relacionamento pode, algumas vezes, ser quase bonito – especialmente quando uma das partes está morta; ou, melhor ainda, ambas.

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