domingo, 21 de março de 2010

Direito de Amar (A Single Man)

Quando um profissional reconhecido numa área se aventura por outra, é comum que se olhe com desconfiança – sejam cantores se aventurando a atuar (ou escrever livros infantis, como Madonna), ou atores que se arriscam a virarem músicos (caso recente de Scarlet Johansson, por exemplo). Assim, é natural que muitos narizes tenham sido torcidos ao saberem que o estilista Tom Ford estava lançando um filme – motivo que o levou a manter a produção sob segredo, para não ser visto apenas como “um fashion designer que decidiu se tornar cineasta”. O resultado foi A Single Man (que no Brasil, ganhou o pavoroso título de Direito de Amar), adaptado do livro Um Homem Só – Flagrante de uma Profunda Solidão, de Christopher Isherwood. No papel de George, um professor gay na primeira metade da década de cinqüenta, que perde o companheiro de quase duas décadas num acidente de carro e pensa em se suicidar, o inglês Colin Firth ganhou o Leão de Ouro em Veneza como melhor ator e sua primeira indicação ao Oscar. Ford mostrou-se um bom diretor de atores – as atuações não apenas de Firth, mas também de Julianne Moore como uma amiga solteira que ainda guarda sentimentos por George, e da revelação de Nicholas Hoult (o menino de Um Grande Garoto, crescido) como um aluno interessado em ajudar seu professor, são cobertas de intensidade sutil (a cena em que George recebe o fatídico telefonema que o comunica da morte de seu parceiro – e de que não é bem vindo no funeral – é um momento magistrais da atuação de Firth). Mas, acima de tudo, Ford revela-se um cineasta com um rigor estético intenso. Essa seja talvez sua maior contribuição, enquanto designer de moda, para o seu lado autoral: a impecabilidade de cada cenário, objeto de cena ou figurino, uma beleza quase opressora. Enquanto George, o protagonista vivido por Firth, enfrenta sua depressão com uma fotografia em tons esmaecidos, ao ser confrontado com uma imagem ou um cheiro – seja um penteado, uma flor, um perfume – as cores subitamente esquentam, tornando-se vivas e intensas. Essa ideia, que tanto pode ser usada para acusar o diretor de ter a falta de confiança de um iniciante na capacidade de seus atores, também é uma carta de intenções como autor: um esteta com uma rara preocupação pela intensidade sensorial da imagem, a tentativa de transmitir visualmente o prazer oculto nos detalhes de uma vida cotidiana. Claro que, no que tange à moda, os figurinos, como era de se esperar, são igualmente impecáveis – do vestido de noite de Julianne Moore ao pulôver angorá de Nicholas Hoult, passando pelo rigor dos ternos de Firth (e os óculos que, por sina, o deixam a cara de Yves Saint-Laurent), não parece haver um fiapo fora do lugar ou em desalinho com sua proposta estética. Ford não tem medo de correr risco,faz referências a Almodóvar e Hitchcock, e erra a mão em alguns momentos, mas é esse seu ímpeto de assumir o risco de alguns excessos que o eleva sua estreia na direção para além de ser, meramente, um estilista que decidiu ser diretor. Espera-se, apenas, que seu próximo filme ganhe das distribuidoras nacionais um título mais condizente com tanto bom-gosto.
Texto publicado originalmente no jornal CineSemana.

2 comentários:

Mia Saunders disse...

Samir,
Aqui é Luiza, da Editora Record.
Gostaríamos de fazer uma parceria com seu blog e sua comunidade do Bernard Cornwell!
Será que você pode me mandar um e-mail pra contato?

Meu e-mail é luiza.lewkowicz@record.com.br

Abraço!

Anônimo disse...

Obrigado por Blog intiresny

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