segunda-feira, 4 de junho de 2012

Bond #01

Eu poderia estar roubando, eu poderia estar matando, (eu poderia estar lendo o Ulysses), mas sigo lendo Ian Fleming como se não houvesse amanhã. Como bem sabem meus amigos, meus gostos se movem em seqüências de obsessões, e a do momento é James Bond.
Assim, inicio aqui uma série de (nem tão) pequenas resenhas dos volumes lidos, que coloco na ordem em que li, não na ordem de publicação (que nem mesmo os filmes respeitaram).

Casino Royale

Eu havia lido dois contos (A View to a Kill e The Living Daylights, publicados naquela coleção Pocket Classics da Penguim) como introdução. Gostei do que vi ali, e Casino Royale, sendo o primeiro da série, me pareceu a escolha óbvia como ponto de partida.

O plot: LeChiffre, “a Cifra”, é um banqueiro francês que cuida dos investimentos de um sindicato que serve de fachada para operações da SMERSH, o órgão de contra-espionagem soviético, e que teve a infelicidade de investir todo seu capital em prostíbulos pouco antes do governo francês baixar uma lei anti-prostituição. Seu plano, então, é levantar fundos em um jogo de altas apostas no Hotel Esplendide, na praia francesa de Royale-les-Eaux. Sabendo disso, o serviço secreto inglês envia o melhor jogador do departamento, James Bond, para quebrá-lo no jogo. A contragosto, Bond leva uma assistente, Vesper Lynd. Quase todos os personagens recorrentes são introduzidos aqui: M, Miss Moneypenny, René Mathis e Felix Leiter.



O livro: A primeira coisa que precisa ser colocada: Fleming é um bom escritor. Seu estilo é limpo e dinâmico, e como já apontou Umberto Eco, tem um “gosto sensorial pela palavra” que se torna mais nítido nas suas elaboradas descrições fetichistas: mulheres, equipamentos e, principalmente, refeições. A atenção pelo detalhe não é só característica do estilo de Fleming, mas também intrinsecamente ligada à construção de seu protagonista, do qual somos avisados no primeiro capitulo: “era um agente secreto, e ainda estava vivo graças à sua atenção exata aos detalhes de sua profissão”. Bond é metódico, não faltam descrições de suas rotinas de segurança toda vez que entra no quarto, dos muitos banhos frios (talvez o personagem que mais toma banhos que já li) e de seu próprio gosto pelo detalhismo (como na descrição do Vesper Martini abaixo).

A bondgirl: Claro, há deméritos também: o chauvinismo tanto de Bond quanto de Fleming são produtos de sua época, e nisso não ajuda que Vesper Lynd seja uma personagem de pouca expressão, em parte porque o conflito que a move é um segredo guardado de Bond e do leitor até o final. Vesper é memorável por ser a primeira bondgirl literária, não por ser particularmente bem construída. Mas, que pese à favor: chauvinismo e misoginia são coisas bem diferentes. Mesmo que Bond seja paternalista e condescendente, ele definitivamente gosta de mulheres o bastante para preocupar-se em animar Vesper em seus momentos melancólicos e cuidar de sua segurança. Fleming fetichiza a violência e a mulher, mas não a violência contra a mulher (para isto há um bom punhado de filmes e games de gosto duvidoso como exemplo. Prova disso é que mesmo quando ambos são submetidos à tortura, o sofrimento físico de Bond é detalhado, o da bondgirl é apenas sugerido (ou suposto).

O vilão: Mesmo LeChiffre tem pouco espaço para si, visto que o foco do livro é introduzir o leitor ao mundo e à mentalidade de Bond. Seu papel é ser unicamente mal, e submeter o herói à infame sequência de tortura adaptada com fidelidade no filme (exceto por trocar um batedor de tapetes por um nó de corda, mas enfim). Não há espaço para ambigüidade nos papéis de herói/vilão, mas a vilania de LeChiffre serve à Bond como objeto de uma curiosa reflexão sobre a necessidade de exemplos maniqueístas de maldade como parâmetro moral. É um mundo cinza visto em preto-e-branco, fiel ao espírito moral dos anos cinquenta.

Momento Mad Men:

“E então havia a praga dessa garota. Suspirou. Mulheres eram para recreação. A serviço, elas se colocam no caminho e nublam as coisas com sexo e sentimentos dolorosos e toda a bagagem emocional que carregam consigo. Alguém precisa olhar por elas e ficar cuidando delas. ‘Vaca’, pensou Bond.”

Fetiche:
“Dry Martini”, disse Bond. “Um. Num copo fundo de champagne. Três medidas de Gordon, uma de vodka, meia medida de Kina Lillet. Agite bem até gelar, então adicione uma larga fatia de limão”.
“Nossa, isso certamente é um drinque”, disse Leiter.
“Eu nunca tomo mais que um drinque antes do jantar. Mas eu gosto que este seja grande e muito forte e muito gelado e muito bem-feito. Eu destesto porções pequenas de qualquer coisa, particularmente quando o gosto é ruim”
Observou atento ao copo fundo gelar com a bebida dourado-pálida, levemente aerada pela batida da mistura. Buscou o drinque e tomou um longo gole.
“Excelente”, disse ao barman, “mas se você conseguir uma vodka feita de grãos ao invés de batatas, você verá que fica ainda melhor”..

Aliás, o filme: A adaptação de 2006 é bastante fiel do livro, desconsiderando-se o acréscimo óbvio de mais cenas de ação, como a abertura e o climax, que LeChiffre não chora sangue (embora seja um detalhe tipicamente fleminguiano) e mantendo até mesmo a última fala - o amargo "the bitch is dead" - em ambos.

Bibliofilia: a edição que li foi a de 2008, da Penguin, e os trechos aqui são traduções livres e descuidadas, mas é o livro mais fácil de se encontrar em português, em edições da Record. Recentemente, ganhou edição de bolso.

Um comentário:

Carlos André disse...

Já que tu tocou neste assunto, toma lá:

http://wp.clicrbs.com.br/mundolivro/2012/06/28/barulhinho-bond/

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