sexta-feira, 30 de abril de 2010

Dois filmes

Dois textos escritos para a Noize do próximo mês (maio), sobre dois filmes para o qual se pode fazer os mesmos elogios, ainda que cada um tenha propostas distintas.

Os famosos e os duendes da Morte
, de Esmir Filho
Ao contrário do que o título pode levar o espectador incauto a pensar, não se trata de um novo filme da Xuxa. Tampouco há famosos no filme, e muito menos duendes. O longa-metragem de estréia do diretor Esmir Filho (que dirigiu o curta hit do YouTube Tapa na Pantera) mostra a vida vazia de adolescentes no interior do RS que, presos à realidade provinciana, buscam na internet uma fuga. O protagonista é um adolescente, que o espectador conhece apenas pelo nome virtual de Mr. Tambourine Man, fã de Bob Dylan, vive isolado numa comunidade estagnada, assombrada pelos constantes suicídios dos que preferem pular da ponte da cidade como escape. O retorno de um personagem misterioso (interpretado por Ismael Canepelle, autor do livro que inspira o filme) servirá de pivô para o garoto buscar algo além do pequeno mundo isolado em que vive.
O filme é de uma subjetividade e sensibilidade única no conduzir da narrativa, um enorme contraste para o espectador acostumado ao cinema brasileiro mainstrem cheio dos vícios expositivos da linguagem televisiva. No tom e no espírito, o filme dialoga com o cinema do Gus Van Sant de Elefante e Paranoid Park, calcando-se numa fotografia belíssima (poucas vezes se filmou a névoa tão bem), na excelente trilha sonora composta pelo gaúcho Nelo Johan, e nas atuações de atores estreantes como o protagonista Henrique Larré e Áurea Baptista, que interpreta a mãe do garoto. Um filme único, do tipo que deveria ser feito com mais frequência no cenário nacional.

As melhores coisas do mundo, de Laís Bodanzky
Curioso que este As melhores coisas do mundo estréia quase ao mesmo tempo que entra em cartaz outro filme a tratar de adolescentes contemporâneos. Em comum, os dois filmes tem apenas o fato de mostrar uma geração que já nasceu tendo suas relações pessoais de alguma forma intermediadas pela internet. Menos experimental que Os Famosos..., mas nem por isso quadrado na forma e no tema, o filme encontra seu tom pela sensação constante de desconforto dos personagens com os ambientes que frequentam – a escola, palco de brincadeiras cruéis e afetos cambiantes, a família instável (Denise Fraga e Zé Carlos Machado como pais afetuosos e idealistas, mas desconectados da realidade prática da vida dos filhos, ambos muito bem em seus papéis). A trama, de caráter episódico, abrange uma série de obstáculos que o protagonista (o estreante Francisco Miguez) precisa enfrentar e, de alguma forma, resolver – divórcio dos pais, amor não-correspondido, manutenção de amizades – que não diferencia muito dos problemas que a geração imediatamente mais velha enfrentou, exceto pela presença da tecnologia (internet, celulares) como uma ferramenta de intimidação. De resto, é um prazer descobrir que o cinema brasileiro encontrou uma forma natural e realista de retratar o adolescente, livre do didatismo (e da canastrice) da linguagem televisiva.

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