domingo, 1 de maio de 2011

Fim da infância

Ao longo de vários anos na segunda metade da década de 80, peguei o hábito de acordar cedo - muito cedo - aos domingos, ocasião em que me levantava e ia para o quarto dos meus pais, e ficava assistindo com minha mãe ao Globo Rural e Pequenas Empresas Grandes Negócios, pote de iogurte em mãos para o café da manhã, meu pai ainda dormindo alheio à qualquer som, até que chegasse mais ou menos o horário da corrida. Outras corridas foram assistidas na casa de fim-de-semana da família, em Belém Novo, à beira do Guaíba, meus primos, todos quase da idade do meu pai, envolvidos em assar churrasco, eu sentado no sofá com os olhos num exemplar da pilha empoeirada de Reader Digest, mas com os ouvidos acompanhando o zum-zum típico dos carros cruzando a tela. Airton Senna é seu Lotus preto, Ayrton Senna em seu lótus amarelo com propagandas de cigarros Camel, Ayrton Senna em sua McLaren com propagandas de cigarro Marlboro. Senna dirigindo em pistas molhadas, a rivalidade com Alain Prost (franceses sempre dão bons antagonistas) que ao final converteu-se em amizade, o namoro com Xuxa, que dominava minha atenção nas manhãs dos dias úteis por ter desenhos melhores queo SBT, tudo isso fez dele o herói perfeito para a minha infância, numa época (anos Sarney) em que o Brasil não produzia muitos modelos de heróis infantis.


No dia 1° de maio de 1994, eu estava na casa de final-de-semana da família, meus primos assavam churrasco (era aniversário de um deles), e havia faltado luz - todos desesperados por não conseguir ver a corrida, eu colado num radinho de pilha, quando ouvi e reproduzi, incrédulo, a notícia de que Senna havia morrido e automaticamente o almoço acabou, todos correrendo para os carros e ligando os rádios. Naquele ano particularmente difícil, o divórcio dos meus pais passava pelo momento mais crítico, meu pai morava em Recife, a situação financeira da família piorou e minha mãe, que até então exercera a pedido do meu pai apenas o papel de mãe e dona-de-casa, começou a trabalhar e eu precisava tomar conta de uma irmã que, sendo menina e cinco anos mais nova, tinhamos uma incompatibilidade total de temperamentos, o contato com os amigos de infância dos tempos do Israelita havia se perdido e eu antipatizava com os colegas do colégio novo por puro esnobismo advindo do choque da transição colégio particular/colégio público, e a maior parte do meu tempo livre era consumida isolado desenhando histórias em quadrinhos, cuja realidade interna me pareciam mais próximas do que o mundo real à volta. Numa caixa, guardo até hoje por motivos que só a pouco me dei conta do quanto eram óbvios, um exemplar da ZH do dia 12 de outubro de 1993 (dia da Criança) e outro do dia 2° de maio de 1994, pós-morte do Ayrton Senna: consciente ou inconscientemente, delimitei o período do fim da minha infância e o início de uma pré-adolescencia com todas as suas complicações inerentes, no momento em que o meu primeiro herói de infância morria*.

*A descontar, claro, o choque de quando descobri que Walt Disney estava morto e enterrado (há controvérsias, ref. criogenia) havia quase trinta anos.

Um comentário:

Aida Lima disse...

Olá,
Estou divulgando o livro O Fundador do autor Aydano Roriz. Trata-se de um primoroso romance histórico que conta de forma rica e divertida os primeiros anos do Brasil, com as venturas e desventuras de Tomé de Souza para fundar a primeira capital do Brasil, a cidade de Salvador. O livro é uma verdadeira aula de história sem ser chato. Como faço para enviar um release e uma foto da capa do livro? Abs! Aida

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