sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Tijolão do semestre

Mason & Dixon, de Thomas Pynchon (Cia. das Letras, 2004) é um colosso de 842 páginas sobre a amizade entre Charles Mason e Jeremiah Dixon durante a segunda metade do século XVIII, enquanto os dois, após uma passagem pela Cidade do Cabo e pela ilha de Santa Helena, são incumbidos pela Real Sociedade, congregação de cientistas ingleses, a traçar a divisa entre os estados de Maryland e Pennsilvânia, na América inglesa no ano de 1763, divisa essa que um dia servirá como divisa entre o norte industrial e o sul escravagista. Isso é o que promete a sinopse, e 842 páginas depois, é um pouco difícil definir sobre o Mason & Dixon trata, no final das contas. O primeiro é introspectivo e melancólico, assombrado pela perda da esposa, o segundo, extrovertido e com uma ânsia por coisas diferentes e novidades, ambos figuras históricas, funcionam com uma dinâmica quase cartunesca, uma dupla cômica de seriado atravessando uma terra de doidos e paranóicos.

O livro é escrito numa simulação de prosa do século XVIII e a todo momento interrompido por digressões. Como a própria história que se lê é narrada por outro personagem, o reverendo Wicks Cherrycoke – que entretém seus parentes durante uma noite, narrando a história que lemos –, o texto é cheio de uma oralidade que é mais ou menos como conversar com um maluco com déficit de atenção – e um maluco culto e com um ótimo senso de humor pro absurdo, que volta e meia pára o que está fazendo para começar a cantar – o que faz do livro tão difícil de ler quanto difícil de parar de ler.

O centro de tudo, provavelmente, é o noção de que História, é a nossa própria realidade e o modo como vemos o mundo, é por si só uma construção de ficção. E isso acontece na fusão, através da narrativa de Cherrycoke, de fatos históricos com momentos completamente absurdos – um sábio cão falante, uma pata autômata apaixonada por um cozinheiro francês, uma taverna de seguidores da cabala (que saúdam Dixon com o “vida longa e próspera” do sr. Spock) assombrada por um Golem, uma viagem ao centro da terra e outra por uma terra de legumes gigantes – num ritmo de tal forma enciclopédico que cada página, cada parágrafo transborda de referências que tornam impossível saber o que é real e o que são pirações de Pynchon – uma idéia exemplificada na passagem abaixo:

Os fatos não passam de brinquedos de advogados, –piorras e arcos, sempre a rodopiar... O Historiador, porém, não se pode permitir um tal rodopio ocioso. A História não é Cronologia, a qual pertence aos advogados, – nem é Memória, pois a memória ao povo pertence, À História é vedado tanto aspirar à veracidade daquela quanto ao Poder desta, – seus praticantes, para sobreviver, em pouco tempo têm de aprender as artes do mexeriqueiro, do espia e do galhofeiro de taverna, – para que haja sempre mais que uma única linha vital nos unindo a um Passado em que arriscamos a cada dia perder nossos ancestrais para sempre, – não uma Cadeia de Elos únicos, pois que um único Elo quebrado poderia nos pôr todos a perder, – e sim um grande e confuso Emaranhado de Linhas, compridas e curtas, fracas e fortes, desaparecendo nas Profundezas Mnemônicas, tendo em comum apenas o mesmo Destino.

Por exemplo, a certa altura, Cherrycoke pausa sua narração, e os primos Ethelmer e Tenebrae lêem uma pequena narrativa erótica envolvendo indios e jesuítas, que a determinado momento fundem-se à história de Mason e Dixon que está sendo narrada por Cherrycoke, não como histórias paralelas que se fundem, mas como uma história dentro de outra unindo-se até se tornarem uma só.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sabe que depois de anos, voltei a ler Maxon & Dixon ontem, do zero? E está muito bom?

Samir Machado disse...

Opa! Por influencia minha? Bem, é uma longa jornada da primeira página até a última, nos vemos na volta, e me diz o que achou.

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