sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Laranja Mecânica

Leitura recente das que mais me empolgou, foi Laranja Mecânica, Anthony Burgess, em tradução do Fábio Fernandes publicada pela Aleph em 2004 (com uma capa muito bacana e impactante, diga-se de passagem). A edição vêm com o tal 21° primeiro capítulo que, concordo, deixa o leitor com cara de cú, se pensar que a história teria terminado muito bem no 20° capítulo (que é onde o filme acaba). Kubrick só leu até o 20° capítulo porque leu a edição americana, cujo editor achou o último capítulo tão empaca-foda que preferiu cortá-lo. Entendo, entendo... mas por mais frustrante e potencialmente inverossímil que seja, aquele final do livro também faz sentido. No mais, ainda que a violência descrita no livro não choque mais, dado o contexto atual das coisas, saber que Alex tem 15 anos no começo do livro, e não um marmanjo já passado dos vinte como o Malcolm McDowell era quando fez o filme, acrescenta o devido choque.


Outra coisa bacana dessa edição foi a introdução do Fábio Fernandes, explicando que a inspiração original de Burgess para a violência juvenil e a gíria nadsat eram as rivalidades entre mods e rockers na Inglaterra dos anos sessenta, mas que o autor preferiu pensar melhor em como abordar isso no livro, por medo de que deixasse a obra datada. Depois de uma visita à Rússia, e de descobrir que lá também se tinha problemas com gangues juvenis, veio-lhe a idéia de usar palavras russas e gírias ciganas para compor o nadsat. Essa edição da Aleph, aliás, conta com um dicionário nadsat no final. Tentei ler o máximo possível sem consultá-lo, nem sempre resisti, mas a sonoridade da gíria é uma coisa deliciosa de se ler, ainda mais sendo o livro narrado em primeira pessoa por Alex. Com o tempo, acostuma-se, chego a sair pensando em nadsat. Aliás, serviu também pra saber de onde veio o nome da banda DeVotchka (que quer dizer "garota", simplesmente). Abaixo, um trecho que curti:
Mas, irmãos, esse negócio de ficar roendo as unhas dos dedos do pé sobre qual é a causa da maldade é o que me torna um maltchik risonho. Eles não procuram saber qual a causa da bondade, então porquê ir à outra loja? Se os plebeus são bons é porque eles gostam, e eu jamais iria interferir com seus prazeres, e o mesmo vale para a outra loja. E eu frequento a outra loja. E mais: maldade vem de dentro, do eu, de mim ou de você, totalmente odinokis, e esse eu é criado pelo velho Bog ou Deus, e é seu grande orgulho e radóstia. Mas o não-eu não pode ter o mal, quer dizer, eles lá do governo e os juízes e as escolas não conseguem permitir o eu. E não é a nossa história moderna, meus irmãos, a história de bravos eus malenks combatendo essas grandes máquinas? Estou falando sério sobre isso com vocês, irmãos. Mas eu faço o que faço porque gosto de fazer.

4 comentários:

luizgusmao disse...

encenaram uma vez uma adapatação teatral com o tal capítulo epilogal. no palco, ficou chocante. alex se masturbando, mulheres violadas com tacos de beisebol, na cirurgia ele era erguido sobre o tablado, como se estivesse numa teia. só depois vi o kubrick. ironicamente, o filme me pareceu demasiado teatral...

Samir Machado disse...

Hm..que estranho, Luiz. No final do livro não tem nada disso. O Alex simpesmente se sente velho demais pra velha vida de drugui e meio que vai desistindo da coisa toda. Não digo que chega a se arrepender, mas, enfim, é um final bem light.

luizgusmao disse...

o final da peça é assim mesmo, samir. com direito a carrinho d bebê, terno, esposa e um "muita porra para todo lado". oq eu chamei de chocante foram as cenas daquela velha ultraviolência...

Fabio Fernandes disse...

Obrigado pelos comentários gentis, Samir. Foi um prazer imenso traduzir esse livro.

AddThis