You Only Live Twice
O plot: continuando
diretamente de onde A Serviço Secreto de Sua Majestade parou, somos
apresentados à um Bond destruído pelo remorso após ver Tracy ser morta por
Blofeld apenas algumas horas após seu casamento, no livro anterior. Bebendo e
cometendo erros demais, é por sugestão do psicólogo do MI5 que M decide
enviá-lo numa missão que será sua última chance antes de uma aposentadoria
compulsória (Bond, veja só, sonha em criar galinhas num sítio). A missão trata
de viajar até o Japão e entrar em contato com Tiger Tanaka, o chefe do serviço
secreto japonês, e oferecer-lhe acesso à uma máquina decodificadora inglesa em
troca de acesso aos canais de espionagem dos japoneses sobre os russos. Mas
chegando ao Japão, Bond descobre que sua mercadoria de troca possui pouco
valor, e Tiger faz-lhe outra proposta: matar o cientista gaijin que, instalado num antigo castelo, criou em sua propriedade
um “jardim da morte” que vêm atraindo todos os suicidas da região.
O livro: é um dos
livros mais esquisitos de toda a série. Dois terços dele são puramente turismo,
o travelog de Bond em sua estadia no
Japão. Mesmo quando o tema do “jardim da morte” é introduzido – um jardim
botânico particular reunindo todas as espécies de arvores e plantas venenosas
possíveis, plus lago com piranhas – a
trama custa a engrenar e ação mesmo só se vai ter no quarto final do livro. A
visão de Fleming sobre o Japão dos anos cinquenta é interessada e dotada de
sensibilidade cultural, e sob vários aspectos, faz sentido que o tema central
do livro seja o suicídio (o comportamento autodestrutivo de Bond em paralelo
aos ímpetos suicidas dos japoneses, o próprio Tiger Tanaka sendo um aspirante à
camicaze).
Na segunda parte do livro, para infiltrar-se no castelo do
gaijin misterioso (que, como se desconfia o tempo todo, é o próprio Blofeld)
Bond precisa passar algum tempo vivendo como um japonês numa ilha de pescadores
(e receber treinamento ninja!). Apesar de culturalmente interessante, não há
nenhuma necessidade disso por parte da trama, exceto para justificar o final em
aberto. A ação, quando surge, é intensa e meio louca – Blofeld anda por seu
jardim usando uma armadura samurai, Bond precisa enfrentá-lo seminu -, mas loucura
é um fator que permeia o livro.
Momento Mad Men:
“O sistema oriental de vida exerce uma atração especial sobre o americano que deseja fugir à sua cultura – pois há de reconhecer que sou muito comedido quando afirmo que essa cultura perde cada vez mais os seus encantos, salvo para os tipos inferiores da espécie humana, aos olhos de quem a comida má porém farta, os brinquedos bonitos como o automóvel e a televisão, e o quick Buck, dólar ganho com facilidade e muitas vezes por meios desonestos ou em troca de um mínimo de trabalho ou aptidão, constituem o sumum bonum, se me permite este eco sentimental dos meus tempos de Cambridge” – Tiger Tanaka.
Aliás, o filme:
adaptado ao cinema num roteiro escrito por Roald Dahl, que considerava este o
pior dos livros de Fleming (longe disso, mas talvez o menos coeso e com menos
trama aproveitável), o filme tem muito pouco do livro além da ambientação e
seus personagens, fazendo uma leve fusão com elementos de Moonraker (a
gigantesca base de lançamento do foguete, por exemplo) e dividindo a bond-girl
Kissy Suzuki, uma ex-atriz que vive como pescadora de pérolas, em duas: a atriz
japonesa Aki e a pescadora homônima.
Bibliofilia: a
única vez que esse livro foi publicado no Brasil foi em 1965 pela Editora Globo
de Porto Alegre, com o título A Morte no Japão. A tradução da época, com todas
suas gírias, traz frases quase incompreensíveis como “...fomos micrados, seu
godeme burro! Foi aquele engrazulador!” que as vezes complicam um pouco a vida,
mas é uma boa tradução, no geral.
The Spy Who Loved Me
O plot: o livro é
dividido em três partes. Na primeira, Eu, Vivienne Michel, uma
franco-canadense criada na Inglaterra, recorda sua trajetória da juventude no
colégio interno até o momento presente, isolada num motel de beira de estrada
nas montanhas Adirondacks, durante uma tempestade – uma trajetória marcada
pelos dois homens que se aproveitaram dela e a enganaram. O primeiro, Derek,
que a seduz e desvirgina num cinema, e o segundo, o frio e distante Kurt, que a
usa como objeto.
A segunda parte, Eles, mostra a chegada ao motel de
uma dupla de gangsters, Sluggsy e Horror, que a mando do proprietário vieram
tacar fogo ao local para ganhar o dinheiro do seguro, e que atormentam a vida
de Vivienne ao estilo Horas de Desespero.
A terceira parte, Ele, começa quando um terceiro desconhecido,
por acidente, chega ao hotel na mesma noite, o que oferece à desesperada Vivienne
uma chance de escapar dos dois gangsters, já que o homem em questão é um certo agente
secreto inglês.
O livro: Esse é
talvez o livro mais atípico de toda a série, e provavelmente o mais
injustiçado. Já tendo experimentado em Quantum of Solace uma história de Bond
sem James Bond, aqui Fleming radicalizou em resposta aos que o acusavam de
misógino: uma história narrada do ponto de vista da bond-girl. É notório que
Ian Fleming, dada a repercussão negativa do seu público à época, chamou o livro
de um “experimento mal-sucedido”. O retrato dos homens no livro não é nada
lisonjeiro, e não há um que se salve (exceto Bond, claro). Todos tratam
Vivienne como objeto, são aproveitadores e oportunistas, ou frios por natureza,
cujo único interesse é seduzi-la, o que faz com que a primeira parte transcorra
num tom de filme erótico soft, onde tudo é desculpa para que os personagens
cheguem ao sexo, enquanto a segunda parte corra como um drama policial noir de
tons hitchcockianos ao estilo Raymond Chandler (que, por sinal, era amigo
pessoal de Fleming). É somente na terceira parte que temos James Bond em cena (sua participação na história é mero acaso - o pneu furado próximo ao motel),
e o livro parece decidir-se a que veio, e pode-se dizer que a ação é satisfatória (há um flashback de Bond, em missão contra a SPECTRE),
assim como o confronto de 007 com os dois vilões. Se o livro não é excepcional
na execução, está longe de ser o “experimento fracassado” proclamado por seu
próprio autor.
Momento Mad Men:
“Todas as mulheres gostam de ser meio violentadas. Gostam de ser possuídas. Foi sua suave brutalidade contra meu corpo escoriado que tornou seu ato de amor tão penetrantemente maravilhoso. Isso e a coincidência dos nervos completamente relaxados depois de eliminada a tensão e o perigo, o calor de gratidão e o sentimento natural da mulher por seu herói”.
Sobre essa famosa “frase do estupro” de Fleming (no
original, ele usa a palavra rape mesmo), deve se colocar a citação dentro de
dois contextos: a) o subtexto de insinuação sexual de fetiche sadomasoquista que
permeia toda a obra de Fleming, em que não há dor que não seja direta ou
indiretamente associada à idéia de prazer em todos os livros, b) se a prosa de Fleming tem a vantagem de ser
limpa e fluída, com certo apreço por descrições sensoriais, ela também se torna
desastrada ao expor idéias que o prendem à sua época. Ou seja: Fleming não
está, obviamente, fazendo uma apologia ao estupro ou à idéia de que mulheres
gostam de ser violentadas, mas sim à idéia de que o prazer sexual venha da entrega
e submissão (do corpo, não da vontade) ao parceiro - ao "homem com pegada", num
contexto mais atual, o que combina com o personagem criado por ele. O problema é que Fleming tem um histórico literário
marcado pelo chauvinismo (e não por misoginia, ao contrário da leitura
superficial que Alan Moore faz do personagem no Black Dossier da Liga Extraordinária). E suas limitações como
escritor se fazem mais salientes nesses momentos desastrados em que tenta expor
uma idéia mas e acaba parecendo expressar o oposto.
Aliás, o filme:
Ian Fleming proibiu especificamente que qualquer aspecto de O Espião que me Amava fosse adaptado ao
cinema, exceto no título. Ainda assim, há pelo menos alguma coisa em comum
entre o filme e o livro: o gangster Horror, assim como o Jaws do filme, possui
os dentes recapados com aço.
Bibliofilia: o
livro foi lançado no Brasil em 1965 pela editora Best Seller sob o título Espião e Amante, e nunca mais teve outra
edição em português. Como o filme não tinha nada em comum com o livro, os
herdeiros de Fleming autorizaram o roteirista Christopher Wood a escrever a
adaptação 007 O Espião que me Amava (no
original,- “James Bond, The Spy Who Loved
Me”), editada no Brasil em 1977 pela Record.
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